sex. nov 14th, 2025

Pitaco do Guffo: por que tantos técnicos são demitidos no Brasil?

O cenário do futebol brasileiro é marcado por uma alta rotatividade de treinadores. Recentemente, Fábio Carille foi desligado do Vasco da Gama após um período curto, com um aproveitamento de pouco mais de 50% dos pontos. Sua saída o colocou na lista de cinco técnicos demitidos nas seis primeiras rodadas da Série A, uma tendência que, lamentavelmente, não deve parar por aí. Diante disso, surge a pergunta: por que a dança das cadeiras é tão frequente no Brasil?

É fundamental, desde o início, descartar a ideia de que a qualidade dos técnicos brasileiros é baixa. Longe disso. O nível profissional tem crescido constantemente, impulsionado pela renovação de gerações e uma maior compreensão de como o esporte evoluiu em termos de estudo, treinamento e aplicação prática. Embora existam trabalhos insatisfatórios, as principais razões para as demissões estão em outro lugar.

A Busca Obsessiva pela Vitória

A frase “o brasileiro não gosta de futebol, gosta de ganhar” é clichê, mas reflete uma cultura deeply enraizada no país: a crença inabalável de que o próprio clube tem a obrigação de conquistar todos os títulos disputados. Como apenas um time pode ser campeão, a cada passo que a equipe se distancia desse objetivo, aumenta exponencialmente a pressão, tanto da torcida quanto da imprensa, por um resultado que, embora se saiba impossível para a maioria, continua sendo cobrado incessantemente.

Essa pressão desmedida colide frontalmente com a paciência necessária para o desenvolvimento do trabalho de um técnico. A função exige muito mais do que tática: é preciso conhecer e gerenciar um grupo de pessoas (atletas e demais funcionários), entender suas particularidades e as do elenco como um todo, saber onde cobrar e onde ser mais flexível. É essencial “vender” suas ideias para que sejam aceitas e executadas. Além disso, o técnico precisa lidar com egos, vaidades, empresários, familiares, dirigentes e a mídia. É uma atividade de complexidade extrema.

Vencer jogos requer bom desempenho. Embora seja possível acumular alguns pontos jogando mal, a conquista de campeonatos exige consistência e competitividade. No entanto, o processo para atingir esse patamar demanda tempo, algo que o ambiente do futebol brasileiro, impulsionado pelo torcedor, dirigente ou jornalista, não costuma oferecer. A busca é pelo resultado imediato, pois, afinal, seu time é “time grande” e não pode “passar vergonha” ficando sem títulos.

Jogadores: Poder Além das Quatro Linhas?

Outro aspecto cultural raramente discutido abertamente é o poder significativo que os jogadores detêm dentro dos clubes. O vestiário é um ambiente complexo, com suas próprias lideranças, e a adesão dos atletas às ideias do treinador muitas vezes depende da satisfação de suas demandas internas. Lembra-se de presidencialismo de coalizão? A dinâmica, por vezes, se assemelha, mas estamos falando do futebol brasileiro.

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Botafogo campeão: o Brasileirão é sub produto no mercado internacional. Foto: Thiago Ribeiro/AGIF

Quando o poder de decisão e influência reside nos jogadores, a principal meta do técnico, para garantir sua permanência, torna-se agradar a esse grupo. É raro ver um técnico que tenha o apoio irrestrito do elenco ser demitido no Brasil, mesmo que os resultados não sejam ideais. Isso sugere que o desempenho em campo pode ser menos relevante para a estabilidade do cargo do que a capacidade do treinador de conquistar e se submeter às vontades do grupo de atletas.

Por que, então, tantos técnicos são demitidos no Brasil? O futebol brasileiro, como “produto”, parece estar em declínio, com qualidade técnica e tática comprometidas e baixo valor no mercado internacional. A causa não é a falta de talento de jogadores e treinadores, mas sim a incapacidade dos dirigentes em gerenciar esse contexto complexo e essa cultura de “moedor de carne”. É impossível ter um campeonato de alto nível quando cinco técnicos são demitidos nas primeiras seis rodadas.

By João Paulo Mendonça

João Paulo Mendonça é um jornalista esportivo experiente do Rio de Janeiro com 15 anos de experiência cobrindo futebol brasileiro. Seus artigos sobre os bastidores dos clubes e entrevistas exclusivas com estrelas em ascensão são publicados regularmente nas principais publicações esportivas do país.

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